Está rolando por aí uma trend que achei muito legal, a pessoa coloca uma foto ou vídeo dela e descreve seus gostos e características que foram adquiridos a partir da convivência com alguém especial, ou herdado de um familiar. E isso vão de coisas simples como aprender a gostar de tomate, até se permitir ver o mundo com outros olhos por ter conhecido alguém diferente, fora da bolha. Pra mim só chegaram características positivas, mas eu não descarto a possibilidade de alguém ter feito sobre seus traumas também.
Comecei a pensar quais tijolinhos foram contribuições do outro nessa minha construção.
Jean me fez virar uma viciada em açaí, a Gabi me tornou uma consumidora assídua de vídeos japoneses relaxantes, veio da minha mãe esse gosto pelos estudos e dentre as estruturas enormes construídas pelos tijolinhos do meu pai, está o gosto musical. Sendo mais específica: Tim Maia.
Quando ainda estava aqui ele não escondia o quanto era fã.
Ganhei de aniversário um toca discos e 3 vinis do Tim Maia, de longe o presente mais sensível que já recebi na vida e quando mandei a foto pra minha mãe, ela respondeu: seu pai gostava muito de Tim Maia - e depois disse o quanto esse presente é lindo e especial.
Mon amour acertou em cheio.
E hoje, segunda-feira, está sendo o dia mais tranquilo desde que ganhei esse presente, tá chovendo lá fora e aqui dentro eu tô sentada no sofá ouvindo "Do Leme ao Pontal” enquanto escrevo e relembro quais foram as vezes mais marcantes em que Tim Maia foi assunto entre meu pai e eu.
Eram vários discos organizados na estante, que depois dividiram espaço com as fitas e ele defendia não ter uma música preferida, mas quando fiz uma apresentação da escolinha com "Não quero dinheiro (só quero amar)” - ele disse que essa ganhou um toque especial.
Eu te amo
Eu te quero bem
Ele jurava que eles eram parecidos e eu lembro de achar isso super engraçado e falar coisas óbvias como “vocês dois tem uma pancinha igual mesmo”. Mas olhando pra trás, consigo ver tantas outras semelhanças…
Meu pai também era um homem preto, gordo, com muito talento e poucas oportunidades. Ele era fotógrafo e se esforçou demais para que isso fosse sua única fonte de renda, mas era muito difícil o acesso nesse mercado e dentro das condições dele não rolava de acompanhar todas as mudanças, então no paralelo ele trabalhava muito. Chegava tarde, saia cedo e por um longo período eu só o via aos finais de semana.
A semana inteira fiquei esperando
Pra te ver sorrindo
Pra te ver cantando
Ele tinha uma Kombi branca que de sábado virava castelo, forte ou mercado. Com ele tudo era possível e simples.
Quando a gente ama não pensa em dinheiro
Só se quer amar, se quer amar, se quer amar
Como ele era a pessoa que tirava as fotos, não temos muitos registros dele guardados, depois de mais de 10 anos a memória falha, já não lembramos tão bem da voz e o rosto vai ganhando características que a gente não sabe bem se realmente existiam ou se é uma maneira do nosso coração preencher essa imagem pra que a gente não se esqueça.
Se lá atrás com os meus 9 anos as semelhanças eram apenas coisas óbvias presentes no corpo de qualquer pessoa, hoje elas são absolutas e transcendem o físico. E talvez a maior razão para eu ouvir Tim Maia há tantos anos com o mesmo entusiamo, seja: manter na memória o que fazia meu pai feliz. E me sentir feliz toda vez que faço isso.
Grito ao mundo inteiro
Não quero dinheiro (quero siiiiiiiim)
Eu só quero amar.
Que delícia de texto <3